Depois da revista Carta Capital, que na semana passada, com direito a chamada de capa, destacou as denúncias contra o governo Yeda na reportagem Yeda em Xeque, agora foi a vez da revista IstoÉ abordar as denúncias contra a tucana na reportagem Cercada por todos os lados (18 de março de 2009, nº 2053, páginas 48 e 49). Em duas páginas, IstoÉ destaca a corrupção no Detran, a misteriosa morte do ex-representante do Piratini em Brasília, Marcelo Cavalcante, e as denúncias feitas por estudantes e entidades sindicais. Veja, a seguir, a reportagem.
Um suicídio e a delação premiada de um lobista colocam a governadora gaúcha como alvo de procuradores e estudantesQuando ganhou a eleição de maneira surpreendente, rompendo com 11 anos de alternância entre o PT e o PMDB no Palácio Piratini, Yeda Crusius parecia ser uma novidade para os gaúchos: paulista, tucana e mulher, ela prometia renovar a polarizada política do Rio Grande do Sul. Em três anos, saneou as finanças do Estado, mas um escândalo de corrupção no Detran local colocou seu projeto de ser a terceira via numa contramão macabra.
No dia 17 de fevereiro, um Toyota Corolla amanheceu vazio sobre a ponte Juscelino Kubitschek em Brasília. Ele pertencia a Marcelo Cavalcante, 41 anos, cujo corpo foi encontrado no dia seguinte, boiando no Lago Paranoá. Até julho do ano passado, ele comandava a representação do governo do Rio Grande do Sul em Brasília. Sua demissão foi uma tentativa de Yeda de se afastar do escândalo do Detran. Considerado testemunha- chave, ele tinha um depoimento marcado para 5 de março e pretendia negociar com o Ministério Público a delação premiada, dispositivo legal que permite a redução da futura pena em troca de informações privilegiadas.
Cinco dias antes de o carro ser encontrado sobre a ponte, Cavalcante havia desaparecido de casa, mas enviara mensagens à mulher, Magda Koenigkan. Dizia que "estava indo para outra vida". Abalada com a morte do marido, Magda diz que vai esperar a investigação. "Para mim está sendo muito difícil, pois colocaram como suicídio", afirma ela. "Estou passando por uma pressão violentíssima, há uma investigação grande da polícia."
"Ele estava sendo ameaçado", diz a deputada Luciana Genro (PSOL-RS). "A governadora esteve com ele uma semana antes de ele morrer." Por meio de sua assessoria, Yeda esclarece que seu antigo colaborador passou na representação do Estado para cumprimentá- la rapidamente junto com dois parlamentares, durante viagem que ela fez a Brasília. A polícia, por sua vez, apura informações de que Cavalcante teria se encontrado em Brasília, dias antes de sua morte, com o lobista Lair Ferst, que em 2006 ajudou a arrecadar recursos para a campanha de Yeda.
Ferst é o pivô da Operação Rodin, desencadeada pela Polícia Federal, sobre um esquema que desviou R$ 44 milhões de verbas do Detran entre maio de 2003 e novembro de 2007. "Havia o desvio de 40% do valor de cada contrato", afirma o procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas, um dos seis integrantes da força-tarefa montada para investigar o caso. "Um efeito positivo da Operação Rodin foi que já deixaram de sair dos cofres públicos outros R$ 18 milhões para a fraude." São 40 os réus do processo decorrente da operação, entre eles Ferst. Três secretários do governo Yeda também perderam seus postos por conta do escândalo, mas nenhum deles aparece como réu.
O problema agora é que, segundo o PSOL, Ferst decidiu contar tudo. O advogado Pedro Ruas, vereador pelo PSOL de Porto Alegre, garantiu que teve "acesso, mas não a posse" das denúncias de Ferst à Justiça, sete delas respaldadas por gravações feitas pelo próprio lobista. As denúncias atingem a campanha do PSDB, que teria usado recursos não contabilizados, a gestão da governadora, que estaria distribuindo um "mensalinho" entre aliados, e até o patrimônio de Yeda. Em dezembro de 2006, ela comprou uma casa por R$ 750 mil. Segundo Ruas, o lobista garante que parte do pagamento foi feita com sobras do caixa 2 da campanha.
"Ferst também relatou que, já empossada, Yeda disse durante uma reunião que não se levantaria da cadeira para receber R$ 100 mil mensais do esquema do Detran, que era muito pouco", afirma o advogado. Além da governadora e de Ferst, outras duas pessoas teriam participado do encontro, que não foi gravado: Flávio Vaz Netto, então diretor do Detran, e Dorneu Maciel, do PP, antigo diretor-geral da Assembleia Legislativa. A governadora se nega a comentar as denúncias, ao contrário de seu vice. "Essas acusações não me surpreendem", diz o vice Paulo Feijó, do DEM, e rompido com Yeda desde o início do governo.
Os procuradores não negam, mas também nada acrescentam sobre a delação premiada de Ferst e as informações do PSOL. No ano passado, o partido entrou com um pedido de impeachment contra a governadora. Não teve apoios suficientes, mas os capítulos deste escândalo que parece não ter fim chegaram às ruas. Com os rostos pintados com as cores da bandeira do Estado, estudantes mandaram entregar a Yeda uma passagem de volta para São Paulo. A viagem foi marcada para o próximo dia 26, às 12h30, quando está previsto o encerramento de uma série de protestos em todo o Estado. Antes dos estudantes, dez sindicatos de servidores públicos espalharam 300 outdoors pelo Estado, com o rosto coberto, informando que apresentariam a "face das mazelas" no Rio Grande do Sul. Diante de recomendação do Ministério Público, em razão de indícios que caracterizariam crime contra a honra da governadora, deixaram de exibir a imagem da própria Yeda, como pretendiam.
Na semana passada, o PMDB estadual vazou a informação de que deve lançar candidato à sucessão de Yeda. Ao estilo peemedebista, contudo, continua com os cargos e mantém o apoio a uma governadora em apuros. Na quarta-feira 11, a governadora aproveitou um almoço com empresários para dizer que vai resistir. "Repudiamos qualquer tentativa de golpe que esteja prestes a acontecer", disse Yeda. "Eu não quero a guerra porque a guerra mata dos dois lados. Se ela vier, eu a enfrentarei sem armas, confiando nas instituições", completou. Para quem pretendia ser a terceira via, Yeda sofre agora com denúncias de corrupção e favorecimento pessoal, preconceitos regionalistas, rompimentos políticos e isolamento partidário.
Em volta dela, movimenta-se uma máquina que parece mais interessada em cozinhá-la em fogo brando do que esclarecer definitivamente os fatos. Seu vice, por exemplo, já alardeou possuir fitas do escândalo, que vieram a público apenas em pequenos fragmentos. O PSOL diz que viu gravações que o Ministério Público não apresenta. E o lobista, depois da delação premiada, saiu de cena. Cercada por todos os lados, a governadora faria melhor se recorresse à mais óbvia arma dos inocentes: a transparência. A não ser que...
Luiza Villaméa/Revista IstoÉ, de Porto Alegre (RS)
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